Publicações


Conheça algumas peculiaridades do Estatuto das Estatais (Lei 13.303/2016) em matéria de licitações
31/08/2016

No plano da evolução normativa, há de merecer o devido destaque o surgimento da Lei 13.303/2016, a qual, conforme seu art. 1º, “dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos”. Trata-se, como já vem sendo denominada tal lei, do Estatuto das Estatais, a qual encontra fundamento de validade constitucional no art. 173, § 1º, da CF/88.

Além de se incumbir de aspectos conceituais, como quando define empresa pública (art. 3º) e sociedade de economia mista (art. 4º), as quais, juntamente com suas subsidiárias, desempenham a exploração de atividades econômica pelo Estado (art. 2º) e de questões societárias e de governança (art. 5º a art. 26), como as que estabelecem requisitos legais para as funções de membros de Conselho de Administração e de diretor, inclusive com vedações que buscam a profissionalização – e não a politização – de seus quadros (art. 17), e da função social das empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 27), o Estatuto das Estatais (Lei 13.303/2016) traz ao ordenamento jurídico brasileiro normas voltadas à regulamentação das licitações e contratações pelas empresas do Estado.

Em comparação com o regime jurídico contido na Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993), aplicável à Administração Pública Direta, autárquica e fundacional, o Estatuto das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias (Lei 13.303/2016) contém peculiaridades que merece destaque. Este é o objeto deste breve ensaio[1].

Inicialmente, no tocante à regra geral do dever de licitar, concretizando o art. 37, XXI, da CF, o art. 28 da Lei 13.303/2016 estabelece que “os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei”, ressalvando-se os casos de dispensa (art. 29 da Lei 13.303/2016) e de contratação direta (art. 30 da Lei 13.303/2016). É de ser destacado, ademais, que, nos termos do art. 28, § 1º, da Lei 13.303/2006, se aplicam às licitações das empresas públicas e das sociedades de economia mista as regras de privilégio destinadas às microempresas e empresas de pequeno porte, tal como previsto nos arts. 42 a 49 da LC 123/2006.

A Lei 13.303/2016, estabelece que as empresas públicas e as sociedades de economia mista são dispensadas da observância dos dispositivos legais que versam sobre licitações nos casos de “comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais” (art. 28, § 3º, I da Lei 13.303/2016) e “nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo” (art. 28, § 3º, II da Lei 13.303/2016). Ou seja, as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias obviamente não estarão obrigadas a licitar precedentemente aos seus contratos-fim, ou seja, aqueles que decorrem da atividade econômica para a qual foram criadas.

Demais disso, a Lei 13.303/2016 contém tratamento bastante peculiar quanto às hipóteses em que as empresas estatais podem celebrar seus contratos independentemente de prévio processo licitatório.

O art. 29 da Lei 13.303/2016 versa sobre os casos de dispensa de licitação, em hipóteses diversas, embora assemelhadas, se comparados com aqueles previstos no art. 24 da Lei 8.666/1993. Veja-se, por exemplo, que os casos de dispensa por limite de valor (art. 29, I e II da Lei 13.303/2016) contém valores maiores do que aqueles aplicáveis às demais entidades da Administração Pública. Aliás, justamente por tal motivo, não mais se aplicam às empresas públicas e às sociedades de economia mista o disposto no art. 24, § 1º da Lei 8.666/1993. Demais disso, os valores para a dispensa de licitação aplicáveis às empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias (R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para outros serviços e compras, nos termos dos incisos I e II, do art. 29 da Lei 13.303/2016, respectivamente), poderão ser alterados, nos termos do art. 29, § 3º da Lei 13.303/2016 “para refletir a variação de custos, por deliberação do Conselho de Administração da empresa pública ou sociedade de economia mista, admitindo-se valores diferenciados para cada sociedade”.

Já o art. 30 da Lei 13.303/2016 trata dos casos de contratação direta, a qual decorre de casos em que há inviabilidade de competição. Trata-se, pois, de instituto assimilável aos casos de inexigibilidade de licitação previsto no art. 25 da Lei 8.666/1993.

As finalidades e os princípios incidentes aos processos licitatórios realizados pelas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias encontram-se previstos no art. 31 da Lei 13.303/2016, em face do qual “as licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize ‘sobrepreço’ ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”.

Demais das finalidades expressas na Lei 13.303/2016, o art. 32 dispõe que as licitações e contratos das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias observarão as seguintes diretrizes: padronização do objeto da contratação, dos instrumentos convocatórios e das minutas de contratos, de acordo com normas internas específicas; busca da maior vantagem competitiva para a empresa pública ou sociedade de economia mista, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância; parcelamento do objeto, visando a ampliar a participação de licitantes, sem perda de economia de escala, e desde que não atinja valores inferiores aos limites estabelecidos no art. 29, incisos I e II; e adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado; observação da política de integridade nas transações com partes interessadas.

O art. 32, § 1, da Lei 13.303/2016 legitima elogiável preocupação com a noção jurídica de sustentabilidade, porquanto determina que as empresas estatais devem respeitar, especialmente, as normas relativas à: disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas; mitigação dos danos ambientais por meio de medidas condicionantes e de compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental; utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e de recursos naturais; avaliação de impactos de vizinhança, na forma da legislação urbanística; proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação do impacto direto ou indireto causado por investimentos realizados por empresas públicas e sociedades de economia mista; e acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Merece destaque também a adoção de sistemática similar àquela prevista no art. 6º, § 3º, da Lei 12.462/2011, do RDC, pela qual “o valor estimado do contrato a ser celebrado pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista será sigiloso, facultando-se à contratante, mediante justificação na fase de preparação prevista no inciso I do art. 51 desta Lei, conferir publicidade ao valor estimado do objeto da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas”.

Quanto ao procedimento licitatório, destaca-se o disposto no art. 51 da Lei 13.303/2016, o qual contempla as seguintes fases: preparação; divulgação; apresentação de lances ou propostas, conforme o modo de disputa adotado; julgamento; verificação de efetividade dos lances ou propostas; negociação; habilitação; interposição de recursos; adjudicação do objeto; e homologação do resultado ou revogação do procedimento.

Ademais, os atos e procedimentos decorrentes das fases enumeradas no art. 51 da Lei 13.303/2016, praticados por “empresas públicas, por sociedades de economia mista e por licitantes serão efetivados preferencialmente por meio eletrônico, nos termos definidos pelo instrumento convocatório, devendo os avisos contendo os resumos dos editais das licitações e contratos abrangidos por esta Lei ser previamente publicados no Diário Oficial da União, do Estado ou do Município e na internet” (art. 51, § 2º da Lei 13.303/2016).

Lembre-se que o art. 91, § 3º, da Lei 13.303/2016 prevê que “permanecem regidos pela legislação anterior procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo” de “24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei” (art. 91, caput). Tal regra de transição, embora elogiável por servir de instrumento de segurança jurídica, já provoca severas dúvidas de interpretação que somente com o tempo serão sanadas.

Com estas breves considerações, espera-se ter se despertado a atenção para o fato de que as licitações a serem promovidas pelas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias passaram a ser regradas por novo Diploma Legal e não mais pela Lei 8.666/93.

 


[1] Advogado em Porto Alegre, Sócio Diretor do escritório Rossi, Maffini & Milman Advogados, Mestre e Doutor em Direito pela UFRGS, Professor de Direito Administrativo.

[2] Para o aprofundamento do tema, vide MAFFINI, Rafael. Elementos de Direito Administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 187 e seguintes.

Porto Alegre

Av. Praia de Belas, 1212​, 17º andar | Torre Sul
Bairro Praia de Belas
Porto Alegre | RS | Brasil | CEP 90110-000
+55 (51) 3230-1200
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

São Paulo

Rua Pequetita, nº 215, Conj. 82, 8º andar
Bairro Vila Olimpia
São Paulo | SP | Brasil | CEP 04552-060
+55 (11) 3845-0826
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

©2021 ROSSI, MAFFINI, MILMAN & GRANDO ADVOGADOS