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Voltou a ser noticiado que a Procuradoria da Fazenda Nacional estaria autorizada, a partir da edição da Portaria PGFN 360/2018, publicada no Diário Oficial, a realizar acordos envolvendo matéria tributária.
Efetivamente a portaria em questão regula a possibilidade de Procuradores da Fazenda Nacional realizarem transações envolvendo as seguintes hipóteses: o cumprimento de decisões judiciais; a confecção ou a conferência de cálculos; a desistência de recursos; e a forma de inclusão de dívidas tributárias e de FGTS no cadastro geral de credores.
Contudo, a amplitude da competência outorgada pela portaria, em especial pelas regras contidas nos artigos 190 e 191, do Código de Processo Civil, bem como pela vedação da concessão de anistia e remissão em matéria tributária sem lei ou em caráter individual, naquilo que o Código Tributário Nacional prescreve pelos artigos 180 e seguintes, coloca em cheque a efetiva possibilidade da realização de acordos dessa natureza.
Isto porque, quando se suscita a realização de um acordo com a Fazenda Nacional, de plano se imagina estar diante da possibilidade de ajustar com o Fisco o valor e a forma de pagamento de débitos tributários e respectivas penalidades, realizando assim um acordo que se molde as condições individuais do contribuinte. Todavia, essa possibilidade não existe no Direito Tributário.
Segundo o artigo 190, do CPC, “versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição”, as partes podem fazer acordo sobre “faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. E aqui já se esbarra em uma primeira restrição. Isto porque, o art. 190, do CPC, somente permite a realização de acordos que tenham por objeto direitos disponíveis, o que não é o caso do crédito tributário.
Tomando por base a moderna concepção de que o pagamento de tributo é o meio para a promoção de direitos fundamentais, não há como o Fisco ajustar com certos contribuintes a redução do valor ou acordar formas beneficiadas de pagamento, sob pena de afetar diversos preceitos fundamentais, chamando a atenção em especial à isonomia.
É precisamente dessa concepção de isonomia que igualmente se veda a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária quando não veiculada em caráter geral, ou que, se individual, seja outorgada apenas para aqueles que requeiram e preencham os requisitos definidos em lei.
Diante dessas restrições, inexiste margem no Direito Tributário para atribuir ao agente público fiscal a prerrogativa de aceitar, apenas para certos contribuintes, acordos que permitam a redução do valor do tributo, ou mesmo privilegiando formas de pagamento.
Muito embora a Fazenda Nacional defenda que a Portaria PGFN 360/2018 não prescreva hipóteses de acordos que envolvam direito material tributário, mas apenas procedimentos processuais voltados ao cumprimento da obrigação principal, existem sérias dúvidas sobre a constitucionalidade e a legalidade de seu alcance.
Em recente matéria veiculada por portal virtual tributário[1], o coordenador-geral da representação judicial da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional defendeu que a portaria permite a realização dos chamados “negócios jurídicos processuais”, tais como, por exemplo, a realização de acordo para definição dos critérios de um determinado cálculo em que as partes estejam divergindo em juízo.
Percebe-se que, por mais que se trate de uma questão estabelecida no campo processual, o exemplo traz consigo um traço patrimonial, uma vez que Fazenda e Contribuinte estão definindo, a partir do critério do cálculo, qual valor deve ser pago ou restituído, alcançado, em última análise, tema de direito material tributário.
Por mais que a simplificação dos procedimentos fiscais seja obviamente um princípio, um objeto a ser buscado, não se pode desconsiderar que o Direito Tributário possui um forte traço de restrição patrimonial e de propriedade, de forma que constitucionalmente advém um maior rigor quanto à autonomia dos agentes públicos, limitando sua atuação somente dentro do permitido por lei (discricionariedade). E é nesse choque de princípios que os acordos, sendo forma permissiva ao agente público tributário renunciar arrecadação, tende a ter sua validade comprometida constitucionalmente.
Por mais que se esteja diante de previsão que possa beneficiar o contribuinte, não se pode desconsiderar a impossibilidade de haver por parte do Fisco tratamento diferenciado para aqueles que estejam em mesma situação. Com isso, não nos parece que haja espaço para as análises casuísticas que tendem a decorrer dos acordos, concessões, negócios jurídicos ou transações, mas tão somente interpretações fiscais que valham para aquele, assim como igualmente para todos os demais casos.
Os que militam com o Direito Tributário sabem o quanto é recorrente a dúvida de contribuintes sobre a possibilidade de realizar acordos com o Fisco, a partir da visualização ou experiências que envolvam acordos realizados entre entes privados, relações de consumo, relações trabalhistas, dentre outras.
Contudo, há que se ter em mente que a satisfação do crédito tributário impõe igual dever entre contribuintes, resguardadas imunidades, isenções e outras formas de exclusão, não havendo espaço para que alguns recebam qualquer espécie de tratamento privilegiado.
Dessa forma, são resumidamente por tais razões que se coloca em dúvida a validade da Portaria PGFN 360/2018, refutando o que acabou recentemente retornando ao noticiário jurídico sobre a possibilidade de contribuintes e a Fazenda Nacional realizarem acordos envolvendo a redução do valor a pagar de tributos, ou mesmo ajustando prazos e condições não previstos em lei.
[1] https://www.conjur.com.br/2018-jul-14/portaria-autoria-pgfn-acordo-contribuintes