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Paradoxalmente, nosso país é dotado de uma série de leis e regulamentos constantes de Diplomas Legais que compõem o que se pode considerar um verdadeiro sistema de combate à corrupção.
Dentre os referidos Diplomas Legais, dois deles merecem destaque no estudo do Direito Administrativo, área do Direito voltado à regulação das relações jurídicas havidas entre o Poder Público e os cidadãos. O primeiro deles, mais recente, se trata da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), recentemente regulamentada pelo Decreto 8.420/15, a qual traz consigo a responsabilização civil e administrativa, independentemente de culpa ou dolo, pelas pessoas jurídicas que pratiquem atos de corrupção em desfavor da Administração Pública nacional ou estrangeira. A despeito de sua relevância, sobre tal tema somente é possível uma leitura descritiva e prospectiva, uma vez que ainda não há reflexões maduras seja no plano doutrinário, seja no plano jurisprudencial, eis que baste recente a sua vigência no país. Certamente, a Lei Anticorrupção produzirá efeitos muito benéficos no que tange ao combate da corrupção no Brasil, mas ainda é cedo para que se conclua o como, o quanto e o quando isso ocorrerá.
O outro Diploma Legal a ser destacado no combate à corrupção consiste na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), esta já vigente há mais de duas décadas. Justamente por isso, se trata de tema sobre o qual já se operou o devido amadurecimento na doutrina e, em especial, na jurisprudência. Com efeito, 23 anos de vigência da referida lei, somados à volumosa produção de decisões nos mais variados tribunais brasileiros, já permitem uma compreensão relativamente segura de alguns aspectos relativos à improbidade administrativa.
Um destes aspectos há de ser colocado em evidência neste breve ensaio. Trata-se de um fenômeno que pode ser considerado uma espécie de vulgarização do conceito de improbidade administrativa, o qual decorre de um comportamento patológico de alguns órgãos de controle, que não pode ser justificado nem mesmo pela patologia que pretendem tais órgãos combater. Tal vulgarização, grosso modo, pode ser resumida do seguinte modo: para alguns órgãos de controle, haverá de ser considerada improbidade administrativa toda e qualquer ilegalidade e irregularidade perpetrada por agentes públicos ou, mesmo por terceiros que mantém relações jurídicas com o Poder Público. Assim, toda e qualquer ilegalidade ou irregularidade, no contexto de tal vulgarização, haverá de suscitar a aplicação das severas punições previstas na Lei 8.429/92.
Deve-se evitar tal vulgarização, até mesmo para que tal fenômeno não culmine por enfraquecer a aplicação de legislação tão relevante, como é o caso da Lei de Improbidade Administrativa. Isso porque todo o exagero na acusação induz ao exagero da flexibilização da aplicação de leis sancionatórias, contribuindo, pois, para uma indesejável impunidade.
Fundamentalmente, o meio mais efetivo de se evitar a vulgarização do conceito de improbidade administrativo consiste na aplicação de um critério de interpretação, já levado a efeito pelos Tribunais Superiores, notadamente o STF e o STJ, bem como pela maior parte dos tribunais locais e regionais, no sentido de que somente será caracterizada improbidade administrativa quando se estiver diante de condutas comprovadamente desonestas, em que haja a efetiva demonstração de que os agentes públicos e os terceiros envolvidos dolosamente praticaram atos lesivos ao patrimônio público, em flagrante violação à moralidade administrativa. Contrariamente, não se pode cogitar de improbidade administrativa naquelas circunstâncias nas quais, apesar de eventuais ilegalidades ou irregularidades que tenham sido perpetradas, inexista o aspecto doloso e desonesto nos envolvidos.
Com estas breves contribuições, buscou-se contribuir para um relevante debate que acabe por equalizar tanto a preocupação com o combate à corrupção e à improbidade administrativa quanto com a fiel observância do devido processo legal.