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O Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente pela existência de repercussão geral da matéria suscitada no Leading Case RE no 949.297 (Tema 881), em que se discute, “à luz dos arts. 3o, IV, 5o, caput, II e XXXVI, 37 e 150, VI, c, da Constituição Federal, o limite da coisa julgada em âmbito tributário, na hipótese de o contribuinte ter em seu favor decisão transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo, por sua vez declarado constitucional, em momento posterior, na via do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal.”
Na relativamente recente jurisprudência do STF pós- Constituição de 1988, existem diversas discussões que sofreram alterações de interpretação pela Corte, permitindo que processos transitassem em julgado com decisões posteriormente julgadas em sentido contrário.
Como exemplo, pode-se citar a intepretação que durante muito tempo vigeu quanto a inconstitucionalidade dos itens 21 e subitem 21.01, da Lista Anexa da Lei Complementar 116, afastando dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, a incidência do ISS.
Ao abrigo dessa interpretação, diversas serventias obtiveram decisões judicias, devidamente transitadas em julgado, formal e materialmente, impedindo a cobrança do imposto.
Posteriormente, com o julgamento da ADI 3.089, decisão do STF que reconheceu a constitucionalidade da cobrança do ISS, vários municípios lavraram autos de infração em desfavor de serviços notariais e registrais que contavam com decisão transitava em julgado, cobranças que vêm sendo validadas pelos Tribunais de Justiça estaduais ao argumento da possibilidade da relativização da coisa julgada, face decisão proferida pelo STF em controle difuso, sem qualquer necessidade do manejo de ação rescisória.
Daí a relevância da repercussão geral reconhecida por unanimidade pelo Plenário do STF em 24/03/2016, no Recurso Extraordinário nº 949.297, afetado ao Tema STF 881, o que restou assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRELIMINAR. RECONHECIMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. LEI 7.689/88. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. LIMITES. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE EM CONTROLE ABSTRATO E CONCENTRADO. ADI 15. SÚMULA 239 DO STF. 1. A matéria constitucional controvertida consiste em delimitar o limite da coisa julgada em âmbito tributário, na hipótese de o contribuinte ter em seu favor decisão judicial transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo, por sua vez declarado constitucional, em momento posterior, na via do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade exercido pelo STF. 2. Preliminar de repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida.
(RE 949297 RG, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 24/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-097 DIVULG 12-05-2016 PUBLIC 13-05-2016 )
O Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido, por unanimidade, em 30/05/2014, a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário 730.462, que trata da possibilidade de desconstituir decisão com trânsito em julgado, mesmo após o prazo da ação rescisória, em razão de posterior declaração de inconstitucionalidade de norma pelo STF em sede de controle concentrado (Tema 733).
No mesmo sentido, entendendo pela necessidade de ajuizamento de ação rescisória, foi o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 594.892/RS, de relatoria do Ministro Celso de Mello, assim como o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 473.715, de relatoria do Ministro Ayres Britto, também firmando posição reconhecendo a força da coisa julgada mesmo diante de julgamento do STF em sentido diverso em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Interessante destacar que o Novo Código de Processo Civil, através do art. 535, III, §§ 5o e 8o, a fim de encerrar as discussões quanto aos efeitos da coisa julgada ante julgamento em sentido contrário proferido pela Suprema Corte, previu expressamente a necessidade de ajuizamento da ação rescisória em, no máximo, 2 anos após o trânsito em julgado da decisão do STF.
Embora o tema de fundo da discussão travada no Leading Case RE no 949.297 seja a validade da cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) depois do ano-calendário de 1988, em benefício de contribuinte amparado por decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a inconstitucionalidade deste tributo, a definição
do caso trará, em definitivo, a posição do Supremo se a superveniente declaração de constitucionalidade do tributo, antes declarado inconstitucional em controle concentrado, afetaria o contribuinte que já teve decisão individual a seu favor, de modo a legitimar a exigência tributária.
Em síntese, sustentam os contribuintes que o pilar constitucional que ampara a coisa julgada não pode ser afastado ao bel prazer do fisco.
Embora diga respeito à situação de tributo posteriormente declarado constitucional, a discussão em trâmite no STF deve impactar também os casos de declaração superveniente de inconstitucionalidade. É dizer, contribuintes que tenham perdido ou renunciado às suas discussões para aderir a programas especiais de quitação de créditos tributários, poderão encontrar novo caminho para não serem forçados ao pagamento de tributos posteriormente declarados inconstitucionais.
Enfim, o destino da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema aqui relatado é dos mais relevantes, aplicando-se a diversos casos e afetando várias cobranças de tributo em curso.
Apenas fica o alerta para os eventuais efeitos modulatórios que possam advir da decisão, como em diversos outros casos vêm sendo aplicado do STF, permitindo valer-se dos efeitos da decisão apenas o contribuinte que possua processo em trâmite.