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As enchentes do Rio Grande do Sul e a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos de arrendamento
As enchentes do Rio Grande do Sul e a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos de arrendamento - Há mais de cinco décadas, foram lançados os alicerces do RMMG Advogados em Porto Alegre, com foco principalmente no Direito Trabalhista, vocação maior do nosso fundador, Dante Rossi.
19/08/2024

Por Maria Eduarda Trevisan Kroeff

O contrato de arrendamento é instrumento jurídico amplamente utilizado na cadeia do agronegócio. Por seu meio, o proprietário de imóvel rural (arrendador) cede seu imóvel – ou parte dele – mediante contraprestação para que terceiro (arrendatário) explore a atividade agropecuária. 

Apesar de o artigo 92 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) determinar que arrendador e arrendatário podem contratar de forma tácita ou expressa, por escrito ou mesmo verbalmente (artigo 11 do Decreto 69.566/66), dando assim determinada liberdade para as partes do negócio, o arrendamento rural deve observar requisitos legais, sob pena mesmo de sua nulidade.

O Decreto 69.566/66, artigo 13, estabelece que o arrendamento deve viger por, no mínimo, três anos para lavoura temporária e ou pecuária de pequeno e médio porte; cinco anos nos casos de “exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal”; e sete anos para a exploração florestal. A legislação também estabelece que o preço do arrendamento rural deve ser estabelecido em quantia fixa em dinheiro (tema este que está em discussão na Câmara dos Deputados por meio do Projeto de Lei 3887/23), estando o valor limitado a 15% do valor cadastral do imóvel quando o contrato versar sobre a totalidade da área e a 30% em casos de arrendamento parcial.

De registrar, ainda, que todas as disposições pactuadas devem guardar atenção à função social do negócio jurídico. É esse princípio que se ocupa da ideia de que o contrato gera efeitos não apenas para as partes contratantes, mas para o meio social em que a relação negocial se encontra.

Neste contexto, sucede o cenário gerado pelas enchentes no Rio Grande do Sul1, caso fortuito externo a toda e qualquer relação e que, em muitos casos, causou o desaparecimento de áreas rurais objeto de contratos de arrendamento. Diante de tal grave fato, emerge a Teoria da Imprevisão com aptidão para relativizar a obrigatoriedade das disposições contratuais, permitindo a revisão do pacto por meio da judicialização que pode ser provocada por qualquer das partes do negócio. A invocada Teoria permite mais, não somente a revisão de cláusulas, mas também a resolução contratual cujo cumprimento se torna impossível em decorrência de superveniente fato novo e extraordinário.

Importa ressaltar que, para a aplicação da Imprevisão, essencial a observação dos seguintes requisitos: (1) contrato deve ser sinalagmático, ou seja, deve haver uma relação de prestação e contraprestação; (2) oneroso; (3) comutativo (ambas as partes devem ter o conhecimento, desde a assinatura do contrato, de suas respectivas prestações), (4) de execução continuada (quando o cumprimento se estende por um período de tempo) ou diferida (quando a obrigação é cumprida em um momento só, porém futuro, como uma compra e venda futura); um (5) acontecimento extraordinário, imprevisível e superveniente; (6) a onerosidade excessiva da prestação do devedor. 

Nessa toada, é preciso analisar de forma cautelosa as peculiaridades do contrato realizado, do imóvel objeto da relação negocial e o contexto ao qual foram acometidas as partes contratantes. Tal prudência é imprescindível a partir do julgamento do REsp 945.166, por meio do qual a Quarta Turma do STJ entendeu que a flutuação no preço do produto agrícola ou dos insumos de produção, bem como o ataque de pragas na lavoura, não são fundamentos para atuação da Teoria da Imprevisão — uma vez que estes riscos são intrínsecos à atividade rural.

Portanto, diante das circunstâncias enfrentadas pelo produtor rural gaúcho, questiona-se: poder-se-ia admitir o alagamento dos imóveis rurais como risco ordinário do setor agropecuário? Embora pensemos que não, é dúvida que suscita o referido precedente. 

Consoante determina o artigo 95 do Estatuto da Terra, “o arrendatário não responderá por qualquer deterioração ou prejuízo a que não tiver dado causa” e, portanto, é responsabilidade do arrendador a regeneração do solo, bem como das estruturas que no imóvel se encontram e ou se encontravam.

 

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