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Por Rafael Maffini
Sensibilizados com a catástrofe climática que assola o Rio Grande do Sul, algumas providências têm emanado do Poder Público. Neste contexto, é de ser noticiada a edição da Medida Provisória nº 1.221, de 17 de maio de 2024, que estabelece o regime especial de contratações públicas que se façam necessárias ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública.
Quanto à aplicabilidade de tal regime especial, as medidas excepcionais nele previstas somente poderão ser aplicadas, segundo o art. 1º, § 1º, da MP, caso existente a declaração ou reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal ou pelo Poder Executivo Federal, tal como disposto Lei nº 12.608/12. Além da expedição de ato autorizativo específico do Poder Executivo Federal ou do Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal, que indique o prazo desta autorização. Demais disso, a aplicação de tal regime especial de contratação fica condicionada à caracterização de urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, de obras, de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares (art. 1º, § 2º).
Tal regime especial, por evidente, haverá de ser aplicado para o combate da calamidade pública que assola o Rio Grande do Sul e, para que não pairem dúvidas, há na MP regra expressa neste sentido (art. 19).
O regime jurídico especial de que trata a MP 1.221/24 autoriza a adoção das seguintes medidas excepcionais (art. 2º): a) dispensa de licitação para a aquisição de bens, a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia; b) redução de prazos previstos no processo licitatório; c) prorrogação da vigência de contratos por mais dozes meses, além dos prazos máximos previstos na legislação ordinária, desde que se tratem de contratos vigentes na data do ato autorizativo de que trata o art. 1º, § 1º, II, da MP; d) formalização verbal de contratos de valor não superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), nas hipóteses em que a urgência não permitir a formalização do instrumento contratual; e) adoção de regime especial de registro de preços.
Antes de detalhar cada uma das medidas excepcionais, a MP 1.221/24 estabelece a flexibilização de alguns dos requisitos que a legislação ordinária estatui quanto à fase preparatória das licitações e contratações diretas, inclusive quanto à precificação das contratações públicas (art. 3º). Além disso, em matéria de habilitação, a MP prevê que, para os casos em que reste demonstrada restrições de fornecedores ou de prestadores de serviço, pode ser excepcional e motivadamente dispensada a apresentação de documentação relativa às regularidades fiscal e econômico-financeira, bem como delimitados os requisitos de habilitação jurídica e técnica ao estritamente necessário à execução do objeto contratual adequada (art. 4º).
No tocante à dispensa de licitação, segundo o regime jurídico especial de que trata a MP 1.221/24, ficam presumidas, quando da situação de calamidade pública (art. 5º), as seguintes condições: a própria ocorrência do estado de calamidade pública; necessidade de pronto atendimento da situação de calamidade; risco iminente e gravoso à segurança de pessoas, de obras, de prestação de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares; e limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de calamidade. Com isso, ainda que outros aspectos da contratação precisem ser demonstrados (escolha do contratado, valor da contratação, etc), evidentemente resta simplificada a demonstração do fundamento jurídico da dispensa.
Importantes novidades são introduzidas em matéria de sistema de registro de preços – SRP (art. 6º). Para contratos vinculados ao enfrentamento das consequências decorrentes do estado de calamidade pública, fica facultada a adesão por órgão ou entidade pública federal à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora do Estado, do Distrito Federal ou dos Municípios atingidos (art. 7º, I) e também por órgão ou entidade do Estado à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora dos Municípios atingidos (art. 7º, II). Além disso, nas situações em que o registro de preços envolver mais de um órgão ou entidade, esses estabelecerão prazo de dois a oito dias úteis, contado da data de divulgação da intenção de registro de preço, para que outros órgãos e entidades manifestem interesse em participar (art. 8º). Passados 30 dias da assinatura da ata de registro de preços, deverá ser realizada estimativa prévia a eventuais contratações, visando verificar se os preços registrados permanecem compatíveis com os praticados no mercado, promovendo-se o reequilíbrio econômico-financeiro, caso necessário (art. 9º). Ainda que mantida a indicação de valor máximo da despesa, quando de estado de calamidade pública, é possível a participação de outros órgãos ou entidades nas atas de registro de preço que contenham, nos termos do § 3º do art. 82 da Lei nº 14.133/21, limitação de unidades (art. 10).
As adesões à ata de registro de preços não poderão exceder, na totalidade, a cinco vezes o quantitativo de cada item registrado na ata de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem (art. 11). Por fim, em relação aos registros de preços gerenciados pela Central de Compras da Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (art. 12), nas hipóteses previstas na MP 1.221/24, não se aplicam os limites de gasto máximo correspondente ao quíntuplo dos itens a que se refere o art. 11 da MP, afastando-se também os limites referidos nos § 4º[1] e § 5º[2] do art. 86 da Lei nº 14.133/21.
No tocante às contratações públicas, visando à transparência e aos necessários controles que lhe são inerentes, a MP impõe a disponibilização de todas as aquisições e contratações no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP no prazo de 60 dias (art. 13), contento as informações básicas da contratação[3]. Além disso, quando comprovada a existência de apenas uma fornecedora do bem ou prestadora do serviço, a sua contração será viabilizada ainda que exista sanção de impedimento ou de suspensão de contratar com o Poder Público (art. 13, § 2ª), exigindo-se, neste caso, a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 96 da Lei nº 14.133/21, que não poderá exceder a dez por cento do valor do contrato (art. 13, § 3º).
No tocante à cláusula exorbitante de alteração unilateral do contrato, os contratos celebrados sob a égide do especial das contratações públicas em estado de calamidade pública, a Administração Pública poderá prever cláusula que estabeleça a obrigação de aceitar, nas mesmas condições contratuais iniciais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, limitados a cinquenta por cento do valor inicial atualizado do contrato (art. 14).
Quanto ao prazo dos contratos, o art. 15 da MP estabelece que tais contratações terão duração de até um ano, prorrogável por igual período, desde que as condições e os preços permaneçam vantajosos para a administração pública, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento da situação de calamidade pública. Especificamente em relação aos contratos de obras e serviços de engenharia com escopo predefinido, o prazo de conclusão do objeto contratual será de, no máximo, três anos. E, quanto aos contratos de predefinido firmados com fundamento nesta Medida Provisória, aplica-se o disposto no art. 111, da Lei 14.133/21, segundo o qual “na contratação que previr a conclusão de escopo predefinido, o prazo de vigência será automaticamente prorrogado quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato”.
Prevendo-se um regime especial de transição, o art. 16 da MP, prevê que os contratos em execução na data de publicação do ato autorizativo específico de que trata o inciso II do § 1º do art. 1º, poderão ser alterados para enfrentamento das situações de calamidade desde que implementadas as seguintes condições: a) haja justificativa; b) concordância do contratado; c) percentual superior aos limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993, e no art. 125 da Lei nº 14.133, de 2021, limitado o acréscimo a cem por cento do valor inicialmente pactuado; e d) desde que não transfigure o objeto da contratação.
Das disposições finais, depreende-se, em relação ao regime especial das contratações públicas em estados de calamidade pública, aplicação subsidiária da Lei 14.133/21 (art. 18). Por fim, em tema que não trata especificamente sobre contratação pública, o art. 20 da MP estabelece que ato do Poder Executivo Federal poderá suspender prazos processuais e prescricionais relativos a processos administrativos sancionadores em curso no âmbito da administração pública federal, em razão do estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul, até o limite do prazo previsto no Decreto Legislativo nº 36, de 2024.
[1] Lei 14.133/21. Art. 86, § 4º As aquisições ou as contratações adicionais a que se refere o § 2º deste artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes.
[2] Lei 14.133/21. Art. 86, § 5º O quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços a que se refere o § 2º deste artigo não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.
[3] Eis as informações mínimas que devem constar do PNCP, que deverá, em todos os casos, indicar expressamente que tais contrações decorrem do regime especial de que trata a MP 1.221/24: I - o nome da empresa contratada e o número de sua inscrição na Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda ou o identificador congênere no caso de empresa estrangeira que não funcione no País; II - o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de aquisição ou de contratação; III - o ato autorizativo da contratação direta ou o extrato decorrente do contrato; IV - a discriminação do bem adquirido ou do serviço contratado e o local de entrega ou de prestação do serviço; V - o valor global do contrato, as parcelas do objeto, os montantes pagos e, caso exista, o saldo disponível ou bloqueado; VI - as informações sobre eventuais aditivos contratuais; VII - a quantidade entregue ou prestada durante a execução do contrato, nas contratações de bens e serviços, inclusive de engenharia; e VIII - as atas de registros de preços das quais a contratação se origine, se for o caso.