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Por Konrado Krindges
Assunto dos mais controversos desde antes da existência das redes sociais, o limite da responsabilidade civil da imprensa pela divulgação de notícias tomou novos contornos com o definitivo julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6.792.
Há muito que no Judiciário proliferam discussões sobre o dever de reparação de danos —principalmente de ordem extrapatrimonial/moral — a que estão sujeitos os órgãos de imprensa quando, no exercício da atividade, divulgam fatos que carregam repercussões sensíveis aos envolvidos. Nesse cenário se posicionam principalmente as chamadas “reportagens investigativas”, nas quais os jornalistas não apenas reproduzem informações já públicas e previamente circuladas em outros meios, mas eles próprios apuram fatos, sem qualquer viés acusatório formal, coletam dados que podem expor práticas aparentemente irregulares ou suspeitas.
Em casos como esses, é comum que as pessoas envolvidas nas reportagens busquem o Poder Judiciário na tentativa de obter tanto ordens que censurem a divulgação das matérias jornalísticas, como, principalmente, a reparação de danos morais que alegam sofrer em face da divulgação desses fatos, por vezes ainda sequer conhecidos pelos braços do Estado responsáveis pela repreensão criminal.
No tema da censura, o ordenamento jurídico brasileiro avançou de forma significativa na última década, repercutindo, a partir de precedentes do Supremo Tribunal Federal, que a Constituição Federal repudia qualquer tipo de censura prévia. Porém, a atuação efetivamente livre da imprensa segue acuada por decisões judiciais que, desprovidas de maiores parâmetros na apuração de responsabilidades, impõem aos veículos de comunicação social condenações, especialmente a título de dano moral, capazes de criar indesejável ordem velada de silêncio.
Porém, trazendo luz ao breu da excessiva culpabilização da imprensa, e talvez, mais do que nunca, tangibilizando a célebre frase da Ministra Cármen Lúcia (“o cala–boca já morreu”), o Supremo Tribunal Federal, cumprindo seu papel de harmonizar as relações sociais e garantir a proteção das mais sagradas instituições da Constituição Federal, deu valoroso passo adiante no julgamento da ADI nº. 6.792.
Por meio da tese editada como consequência do julgamento, o STF fixou um parâmetro robusto para definir quando um veículo de imprensa atua dentro ou fora dos limites principiologicamente almejados pelos artigos 5º, inciso IX, e 220, da Constituição Federal:
Tese: 1. Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa; 2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio; 3. A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos).
Como deflui do entendimento fixado, nos casos de conflito entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, tais como direito à honra e à vida privada, a liberdade deve prevalecer na maior parte dos casos.
No desenho da tese, é destaque a definição de que a responsabilidade dos órgãos de imprensa somente se mostra possível em casos nos quais configurado o dolo ou a culpa grave do veículo de comunicação, entendida esta como a “evidente negligência profissional na apuração dos fatos”.
Isso quer dizer que, para se reconhecer qualquer ilicitude na divulgação de notícias, mesmo aquelas reportagens de natureza investigativa, é necessário que se demonstre que tinha o veículo de imprensa intenção clara de prejudicar a pessoa mencionada na matéria, ou, ao menos, que houve culpa grave por descumprimento do dever de apuração dos fatos.
E fazendo a distinção entre culpa simples e a culpa grave que acabou adotada como ponto de corte, o posicionamento do STF traz a referência de que a responsabilidade apenas surgirá se caracterizada concretamente a negligência do profissional da imprensa, passível de ocorrer, por exemplo, quando se reproduz fake news sem a necessária checagem da informação.
Portanto, na aferição da correção do trabalho da imprensa, cujos rumos foram devidamente estabelecidos com a tese, não há de se encontrar imputação de responsabilidade civil aos jornalistas e veículos de imprensa quando ocorrer “meros juízos de valor, opiniões ou críticas ou da divulgação de informações verdadeiras sobre assuntos de interesse público, afastando a repreensão financeira mesmo nos casos em que a matéria jornalística poderia gerar interpretações negativas em desfavor dos envolvidos.
Como destacado pelo Ministro Roberto Barroso, para superar o mandamento constitucional da liberdade de expressão, impõe-se um ônus argumentativo maior para quem a questiona, dado a característica de “liberdade preferencial” reconhecida ao instituto, por carregar o caminho para legítima participação das pessoas na construção das políticas do país.
Colocado em prática esse conceito consolidado no julgamento da ADI nº. 6.792, como deveria sempre ter sido a partir do sentido efetivamente presente na Constituição Federal, a liberdade de imprensa efetivamente poderá viger como um baluarte da democracia, garantindo a divulgação plural de fatos e opiniões.